A vida cabe dentro de um sim: conheça a história do primeiro trio de revezamento brasileiro no tri

A vida cabe dentro de um sim: conheça a história do primeiro trio de revezamento brasileiro no tri
Priscilla Pignolatti, Patrícia Fonseca e Débora Reichert. Três histórias diferentes, que se cruzaram para colocar estes nomes de uma vez por todas na história.Elas formam o primeiro trio de revezamento brasileiro no triathlon. Foi durante o Ironman 70.3 Florianópolis, que aconteceu no dia 24 de abril. Depois da prova, batemos um papo com as três. Confira só como foi:
Mundo Tri: para o leitor que não as conhece, quem são vocês e quais são as histórias que trouxeram vocês até esse momento?
Priscilla:
Meu nome é Priscilla Pignolatti e aos 20 anos recebi um diagnóstico difícil de uma doença renal que não tem cura: Doença renal policística e que futuramente eu precisaria de sessões de hemodiálise para viver e/ou um transplante renal. Fiquei durante cerca de 20 anos em tratamento conservador (sem hemodiálise) e controlando todas as consequências que a doença renal traz junto.
Durante todo o meu período pré-transplante o meu “esporte” era musculação + 20 minutos de caminhada na esteira. Manter uma atividade física regular foi essencial durante todo esse período. Devido à doença renal eu era hipertensa e precisava de alguns cuidados especiais. Resgatei a Natação que eu havia aprendido quando criança, mas apenas era uma atividade física regular e de manutenção da saúde. Aos poucos a doença renal foi me tirando a energia e ao final do período do tratamento conservador subir 1 lance de escadas era estafante e a Natação foi o último esporte que consegui manter, mas atravessar 1 piscina de 18m era o máximo que eu conseguia fazer sem parar para descansar e uma aula de 45 min eu nadava no máximo uns 300m. Até que em um dado momento manter a atividade física simples e curta era algo impossível e parei tudo. Nos últimos meses antes do transplante o desejo era acordar e continuar dormindo porque é um cansaço que não passa. Foi decisão junto com os meus médicos de tentar o transplante preemptivo (antes da diálise) que é feito com doador vivo. Meu irmão foi 100% compatível e o transplante foi realizado em Março de 2017. No dia seguinte ao transplante, como num passe de mágica, eu já era outra pessoa. Sem hipertensão, com energia renovada, e com todos os índices medidos no sangue normais. E então aos poucos fui sendo liberada para retomar minha vida normal.
Patrícia:
Meu nome é Patrícia Fonseca e eu nasci com um problema de coração. Ainda cedo meus pais ouviram que eu não iria sobreviver e aos 20 dias de idade já estava internada numa UTI. Cresci entre médicos e hospitais e na escola eu assistia a aula de educação física da arquibancada. Nunca pude praticar esportes por conta do coração e sempre tive muita vontade. Precisei operar aos 14 anos, parei a faculdade aos 20 anos por conta da insuficiência cardíaca, até que aos 29 anos de idade precisei entrar na fila de espera por um coração. Foram meses de angústia internada na UTI até que no dia do meu aniversário de 30 anos chegou meu novo coração iniciando uma nova fase da minha vida.
Débora: 
Meu nome é Débora  Reichert e desde os meus 15 anos (2001) vinha enfrentando os efeitos de uma doença que eu nem sabia que existia. Os primeiros sinais foram a perda auditiva, uma perda leve, sem causa aparente.
Mas foi só em 2010 que descobri que essa perda auditiva tinha relação com uma doença chamada síndrome de alport, após descobrir que estava com insuficiência renal.
Os sintomas que me fizeram buscar uma nutricionista na época foram o inchaço nas pernas, e foi aí que após ser encaminhada para um nefrologista, descobrimos que eu estava com 30% da função renal.
Começava, então, uma jornada entre médicos, hospitais e laboratórios clínicos. A cada dia mais fraca e perdendo a energia para coisas simples do dia a dia, como tomar banho, se vestir, cozinhar…
Foi então, em novembro de 2014 que pude ter a chance uma nova vida, recebendo o rim da minha prima Ângela.
Nesta época do pré transparente, eu já havia perdido muito peso e por conta disso não era recomendado nenhum exercício que pudesse fazer eu perder mais peso. Por um período fiz reforço muscular e depois acabei parando por conta da falta de força.
Mundo Tri: como o triathlon surgiu na vida de vocês? E por que o triathlon?
Priscilla: 
O Triathlon somente surgiu alguns meses depois do transplante. Primeiro eu comecei a me dedicar à corrida por incentivo do meu irmão que me doou o rim e é maratonista e 6 meses depois do transplante fiz minha 1ª corrida de 5k. Neste mesmo período assisti a uma matéria da Pati no Fantástico que anunciava sua participação nas Olimpíadas dos Transplantados como triatleta e isso me deu um incentivo para resgatar a Natação como esporte e me aventurar no mundo do Ciclismo. O Triathlon é um esporte desafiador e acho que isso foi um grande incentivo para começar a praticá-lo. E 1 ano depois do transplante completei minha 1ª prova Sprint e daí em diante não parei mais.
Patrícia:
Logo que transplantei eu iniciei a reabilitação cardiopulmonar. Com um ano de transplante já estava correndo, com um ano e meio nadando e com quase dois anos iniciei o pedal. O triathlon para mim simboliza uma oportunidade de “brincar” de mais esportes. Depois de tanto tempo parada e limitada, ser triatleta é a maior expressão da saúde e da libertação.
Débora: 
O triathlon surgiu na minha vida 3 anos após o transplante. Na época eu soube da existência dos jogos para transplantados e fui conversar com um amigo que é educador físico, levei as modalidades dos jogos para ele me auxiliar e então, ele acabou me sugerindo o triathlon. Achei bem desafiador e isso me fez querer encarar algo bem diferente de tudo que eu já havia feito. Dois meses depois eu já estava aprendendo a nadar, pedalar e correr, já estava encarando dois treinos por dia e em 40 dias eu estava correndo meus primeiros 5kms, que até então eu achava impossível.
Mundo Tri: Como vocês se encontraram, e de onde surgiu a ideia de fazer o revezamento no 70.3 Floripa?
Priscilla, Patrícia e Débora: A gente se conheceu virtualmente em um grupo de pessoas transplantadas que praticam esporte e depois pessoalmente nos Jogos Latino-Americano para Transplantados em Salta, na Argentina em 2018 onde nós 3 competimos no Triathlon e isso nos aproximou e a partir daí a amizade só cresceu.
Depois em 2019 participamos das Olimpíadas dos Transplantados em Newcastle, na Inglaterra e juntas representamos o Brasil como triatletas e lá na Inglaterra nasceu o desejo de fazer algo maior para chamar a atenção para a Doação de órgãos aliando a esse tema o esporte e a vida e precisava ser em uma prova com grande visibilidade e por isso a escolha do Ironman 70.3. A ideia do revezamento veio como uma grande mensagem porque na vida cada um de nós vive seu trecho e ao final temos a oportunidade de deixar que outras pessoas sigam vivendo e assim escrevam o seu trecho na vida, graças a um sim dito por uma família. O revezamento passou essa mensagem quando a Patricia nadou 1900m e passou o chip para Priscilla que pedalou os 90k e depois passou para a Débora que correu os 21k. Cada uma escreveu seu trecho e deu a oportunidade que a outra escrevesse a sua história assim como deve ser a Doação de órgãos.
Mundo Tri: conta para a gente um pouco da energia da prova
A prova de IronMan 70.3 tem sem dúvidas uma energia especial. A energia de todos aqueles que se dedicaram muito, idealizaram, sonharam e agora estão ali vivenciando essa construção. A gente sonhou mais de dois anos com esse dia, estávamos programadas para realizar a prova em abril de 2020 e então vejo a pandemia e os cancelamentos consecutivos. Por isso essa edição da prova em Floripa foi ainda mais especial, todo mundo que estava ali aguardou muito por esse dia! Nós estávamos muito animadas com a oportunidade de usar o esporte como ferramenta de conscientização e toda organização da prova foi ímpar em transformar essa experiência em algo ainda maior e nos ajudar a levar a mensagem mais longe! Nadamos, pedalamos e corremos ao lado de todos que nasceram com seus rins e corações e a gente levou com orgulho a cada km esse presente da doação que recebemos!
Mundo Tri: Qual recado vocês gostariam de passar para quem está lendo essa matéria.
Gostaríamos que todos valorizassem e muito sua saúde e essa oportunidade de vida! E que percebessem a beleza do gesto da doação. Sem esse gesto hoje não poderíamos estar aqui nos divertindo e praticando o esporte que tanto amamos!
Mundo Tri: qual o grande objetivo de vocês no esporte e na vida?
Mostrar quanta VIDA cabe dentro de um SIM. Quando cada uma de nós recebeu um SIM, recebemos uma oportunidade de escrever uma nova história e o esporte é a forma mais viva de representar a vida.
Mostrar também toda a nossa gratidão pelo presente que recebemos e a partir daí ajudar tantas outras vidas, pois a cada pessoa que a gente consiga atingir conscientizando são vidas salvas com uma nova oportunidade de escreverem seus trechos.
Além disso, incentivar e inspirar outros transplantados na prática de algum esporte.
Mundo Tri: mais alguma coisa que vocês querem destacar?
Hoje cerca de 40% das famílias ainda dizem não quando questionadas sobre a doação de órgãos. E uma das grandes causas é a falta de informação.
Que a gente consiga ajudar a levar informação, conscientização e empatia para várias pessoas.
E que para ser um doador de órgãos, basta avisar sua família.